domingo, 20 de novembro de 2011

Vidas jogadas pelo caminho

No dia mundial dedicado às vítimas do trânsito, famílias relatam o drama de perder parentes no estado onde há mais mortes no país

Mateus Parreiras

Publicação: 20/11/2011 04:00 

res20111119183525379338eO acidente que provocou a última morte no recesso de 15 de novembro: um jovem de 17 anos, na faixa etária que concentra a maioria dos óbitos

A lembrança alegre de Jucelia Aparecida Bertolin Ribeiro, de 30 anos, tocando teclado e tomando igrejas e salões de festas com sua música foi destroçada por um acidente de trânsito na BR-040. “Não sai da minha cabeça o apelo que o bombeiro disse que ela fez, quando era tirada do carro batido: ‘Moço, me salva, pelo amor de Deus, porque tenho dois filhos pequenos para criar’”, lembra, emocionada, a comerciante Maria Aparecida de Souza Bertolin, de 53, mãe de Jucelia. Na mesma rodovia chegaram ao fim os sonhos de Leonardo Ricardo da Silva Campos, de 17 anos, quando uma carreta atingiu a moto em que viajava. “Ele foi para o céu. Nós ficamos para sempre com a tristeza da sua morte”, lamenta a tia do rapaz, Isabel Cristina Campos, de 41. Esses dois mineiros, vítimas da guerra não declarada travada a cada dia em ruas e rodovias, estarão hoje nas preces do mundo, que tenta parar em um momento de reflexão no Dia Internacional em Memória das Vítimas de Acidentes de Trânsito.

A data tem significado especial em Minas, onde dramas como esses elevaram o estado à condição daquele onde mais se morre nas estradas, com 15% dos óbitos do país. Em 2010, rodovias e vias urbanas mineiras levaram 3.674 vidas. A dimensão da tragédia que se repete ano a ano pode ser medida pelos últimos cinco feriados prolongados (Ano Novo, Carnaval, Páscoa, Corpus Christi e Proclamação da República), em que morreram 216 pessoas nas estradas do estado. É como se cinco ônibus executivos praticamente lotados, cada um com capacidade para 45 passageiros, se envolvessem em um desastre sem sobreviventes.

O último a perder a vida nos feriados prolongados deste ano em Minas foi o jovem Leonardo Campos, de 17 anos, vítima de acidente de moto. O adolescente se enquadra na faixa de idade em que morrem mais brasileiros no trânsito. De acordo com o Ministério da Saúde, entre todos as vítimas nas estradas, ruas e avenidas do país, 53,4% tinham entre 15 e 39 anos. “Os jovens estão tendo mais acesso aos veículos, tirando carteira e enfrentando estradas mais cedo, com menos experiência. O resultado é a violência que vemos, infelizmente”, avalia o chefe do Departamento de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia da UFMG, Nilson Tadeu Nunes.

Antes do desastre, Leonardo passava o feriado com a família em um sítio de Rio Espera, na Zona da Mata. No dia 15, seu irmão Leonan Odracir da Silva Campos, de 18, precisou viajar a BH e ele resolveu ir na garupa. Logo depois de passarem sobre o Viaduto Márcio Rocha Martins os irmãos encontraram o trânsito engarrafado devido a um acidente provocado por um Ford Ka de pneus carecas.
Os dois trafegavam entre os carros e o guard rail, até que uma carreta vazia bateu em outra, que transportava bobinas de aço. O veículo carregado esmagou a moto. “O irmão ficou desesperado tentando ajudar o rapaz. Não pude fazer nada. Nem os vi”, disse o caminhoneiro Josemar Pereira Nogueira, de 39, visivelmente abalado. “O Leonan só sabia pedir perdão. Achava que tinha culpa. A culpa é dessas estradas cheias de caminhões e carretas”, desabafa a tia da vítima, Isabel Campos.

Fonte: Estado de Minas

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Quando a imprudência atropela o futuro

Dor de quem perdeu parentes expõe marcas da guerra silenciosa do trânsito. No dia dedicado às vítimas, famílias cobram responsabilidade dos motoristas e atitude do poder público para pôr fim à matança

Mateus Parreiras

Publicação: 20/11/2011 04:00

res20111119184125527008o"Não tinha um filho de Deus para dizer: Polícia, segura esse pessoal que está saindo da festa; eles não têm condições de dirigir um carro na rodovia", Dalvo Ivan de Araújo, de 68 anos, que perdeu a filha Fabrícia Christiane de Araújo, de 33

O jantar em família para comemorar o noivado, programado para o próximo dia 28, data do seu aniversário, coroaria o ano em que a fonoaudióloga Fabrícia Christiane de Araújo, de 33 anos, dizia ser o mais feliz de sua vida. “Minha filha sempre foi quieta, recatada. Foi professora, depois desistiu para ser fonoaudióloga. Comprou os aparelhos e material. Estava feliz, fazendo planos”, lembra o pai dela, o aposentado Dalvo Ivan de Araújo, de 68. Mas os planos de Fabrícia seriam interrompidos de forma violenta no asfalto da BR-040. Ela está entre as sete vítimas do acidente mais grave do ano em Minas, ocorrido em 10 de maio, no km 647 da rodovia, perto de Cristiano Otoni, na Região Central do estado.

O carro em que ela viajava com outras cinco colegas e o motorista, voltando de um curso em Belo Horizonte para sua cidade, Alfredo Vasconcelos, foi atingido por outro que vinha de uma festa em Carandaí, na mesma região. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, o condutor invadiu a contramão numa reta da BR-040. Depois de bater de frente, os dois veículos se incendiaram. O acidente deixou em choque a pequena Alfredo Vasconcelos, que tem 6.194 habitantes.

A amargura de ter como última lembrança de um ente querido a notícia de uma tragédia na estrada e de conviver para sempre com fantasmas silenciosos dentro de um espaço que costumava ser cheio de vida é um sentimento comum entre os parentes de vítimas do trânsito em Minas Gerais. Na casa de Fabrícia, fotografias dela estão pelos principais cômodos. “Nossa dor foi ainda maior, porque o corpo dela ficou no necrotério por muito tempo e acabou sendo enterrado rapidamente, sem termos tempo para nos despedir. Sobraram essas recordações”, desabafa o aposentado, um homem simples, que abriu um comércio para ficar perto dos três filhos e ainda chama de BR-3 a BR-040.

Cheio de lembranças, mas vazio, o quarto de Fabrícia permanece como estava da última vez que ela esteva por lá: cama arrumada, fotos no criado-mudo e a janela aberta, como ela a deixava para espiar a vista pacata da zona rural da cidade. Só o armário foi esvaziado. “Doamos todas as roupas. É muito sofrimento. A lembrança é muito forte”, afirma Dalvo.

Mesma atitude tomou a mãe de Jucelia Aparecida Bertolin Ribeiro, de 30 anos, que morreu no mesmo acidente. “Não deixei nenhum dos instrumentos dela na minha casa. Vendi o último teclado esses dias. O resto, doei para a igreja. Não posso mais nem ouvir as músicas que ela cantava, porque me lembro de todo o sofrimento pelo qual ela passou”, diz a mãe da moça, a comerciante Maria Aparecida de Souza Bertolin, de 53, também moradora de Alfredo Vasconcelos.

“Minhas duas netinhas, de 3 e de 8 anos, filhas da Jucelia, ainda estão abaladas. A mais nova até perguntou: ‘Vovó, a senhora tem mãe?’” Ao responder que já não tinha os pais, a comerciante se emocionou com a conclusão da menina. “Ela disse: ‘Eu só não tenho mais mãe. Ela era muito boazinha. Acho que foi por isso que Papai do Céu a levou’. São coisas assim que doem, mas me obrigam a ser mais forte, pelos meus netos”, diz a comerciante.

BEBIDA No Dia Internacional em Memória das Vítimas de Acidentes, um convite à reflexão sobre tragédias como as que levaram as vidas de Jucelia, Fabrícia e de milhares de pessoas pelo planeta, os brasileiro têm um motivo especial para se preocupar: os abusos praticados por motoristas embriagados, que continuam vitimando inocentes. A mais recente morte com repercussão nacional ocorreu em Campinas, no interior de São Paulo. O lutador de jiu-jítsu Kaio César Alves Muniz Ribeiro, de 23 anos, telefonava em um orelhão, quando foi atingido por um Audi que fazia um racha com um Camaro. O esportista perdeu a briga para a imprudência: morreu a caminho do hospital.

A motorista do Audi, de 42 anos, fez o teste do bafômetro, que comprovou a embriaguez. Dentro do seu carro foram encontradas duas latas e uma garrafa de cerveja. Ela e o condutor do outro veículo, que se recusou a soprar o bafômetro, foram indiciados por homicídio doloso, quando se tem a intenção de matar.

Em Minas Gerais, o álcool é também componente de alguns dos mais graves acidentes. Os parentes das vítimas da batida que resultou nas sete mortes em Cristiano Otoni não descartam que o consumo de bebidas esteja por trás do desastre. “Soubemos que os três ocupantes do carro que matou minha filha estavam vindo de uma festa grande, que aconteceu em Carandaí”, diz a comerciante Maria Aparecida. Aproveitando o ensejo do dia em que o mundo presta homenagem às vítimas do trânsito, ela faz um apelo: “A bebida mata. A bebida acaba com as vidas de quem a gente ama. As pessoas precisavam ter mais consciência e o governo, impedir que bêbados dirijam”.

Emocionado, principalmente pela impotência, já que não sobreviveu ninguém que possa responder pela morte da filha, o aposentado Dalvo de Araújo desabafa. “Não tinha um filho de Deus para dizer: ‘Polícia, segura esse pessoal que está saindo da festa. Eles não têm condições de dirigir um carro na rodovia’?”

res20111119184219421655i"A bebida mata. A bebida acaba com as vidas de quem a gente ama. As pessoas precisavam ter mais consciência e o governo, impedir que bêbados dirijam", Maria Aparecida de Souza Bertolin, de 53, que perdeu a filha Jucelia Aparecida Bertolin Ribeiro, de 30

Fonte: Estado de Minas

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Mais mortos do que no turcomenistão

Publicação: 20/11/2011 04:00

Estradas arruinadas, sem placas, com buracos, bueiros descobertos, pedestres atravessando de repente, motoristas fazendo conversões sem sinalizar. Assim o Departamento de Estado Norte-Americano define as rodovias que cortam os desertos e as estepes do Turcomenistão, uma ex-república soviética entre o Mar Cáspio, o Irã, o Afeganistão, o Uzbequistão e o Azerbaidjão. O alerta aos americanos que viajam para lá é claro: “Prepare-se para dirigir defensivamente o tempo inteiro. Não há assistência na estrada. Evite circular à noite”. Esse pesadelo para os motoristas parece distante, mas, segundo os padrões de comparação internacionais, dirigir no Turcomenistão é menos perigoso do que nas estradas mineiras.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país asiático tem 18,6 mortes no trânsito para cada grupo de 100 mil habitantes. Dividindo-se as 3.674 mortes no tráfego mineiro em 2010 pela população estadual, de 19.597.330, chega-se a um índice de 18,7 mortes por grupo de 100 mil habitantes. Pior ainda que o resultado geral brasileiro, que chega a 18,3 mortos/100 mil.

Para especialistas, são muitos os problemas que levam a esse nível de mortalidade. “Minas recebe um fluxo intenso de todo o Brasil, pois tem a maior malha rodoviária do país e é natural que tenha mais acidentes. Mas ainda acho que acontecem muitos acidentes aqui porque nossa legislação é muito branda. A maioria dos desastres tem um componente de álcool, no fim de semana”, afirma o chefe do Departamento de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, Nilson Tadeu Nunes.

O nível de mortes nos feriados prolongados mostra um pouco da violência nesses dias de tráfego intenso e consumo de álcool. Os 216 mortos apenas nas estradas nos últimos recessos, em um total de 20 dias, representam média de 10,8 vítimas diárias. Muito superior à média diária de mortes nas rodovias, que chega a sete óbitos, considerando-se as 1.723 vítimas entre janeiro e agosto. “A impunidade é um componente importante. Digo que temos quatro fatores principais para a ocorrência de acidentes: o fator humano, a situação dos veículos, das vias e as condições do tempo”, enumera o professor.

Fonte: Estado de Minas

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Hoje pelo mundo Em memória das vítimas do trânsito

Publicação: 20/11/2011 04:00

Belo Horizonte
O Detran/MG programa ação social na Praça da Liberdade, das 8h ao meio-dia. Vai oferecer à população a verificação de pressão arterial, teste de glicemia capilar, orientação sobre fisioterapia e nutrição e distribuição de material educativo. Sucatas de veículos envolvidos em acidentes estarão em exposição. O DER/MG faz blitz educativa com distribuição de panfletos no Anel Rodoviário, amanhã, entre as 8h e as 11h.

Sete Lagoas
Será promovido um minuto de silêncio durante o jogo de futebol entre Cruzeiro e Atlético Paranaense, na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas, para lembrar as vítimas de acidentes.

Pelo estado
Igrejas e congregações de todo o estado foram convidadas a transmitir um pedido de paz nas estradas.

Brasil
Não há uma agenda coordenada nacionalmente, apesar de o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ter afirmado que as mortes por acidentes são uma epidemia no Brasil. Diversos estados organizam programação própria.

Espanha
O Templo Tibidabo será iluminado no topo da Montanha Collserola, de onde será visto em toda Barcelona. Haverá exibições sobre as consequências dos acidentes pela cidade

Itália
Associações de kart divulgarão o Dia das Vítimas entre seus associados e aficionados pelo automobilismo. Monumentos e edifícios públicos de Roma receberão iluminação especial. Flores serão depositadas em túmulos de vítimas.

Grécia
Na Ilha de Rodes haverá evento com missa, doações de sangue para vítimas, dança e uma vigília à luz de velas. Em Atenas, eventos discutirão a responsabilidade de quem atropela e foge, bem como a segurança de ciclistas, pedestres e portadores de dificuldades motoras.

Luxemburgo
Serão plantadas 200 árvores em memória das vítimas de acidentes.

Ucrânia
As ruas da capital, Kiev, serão tomadas por uma passeata de membros de 27 automóveis clube. Um buzinaço em toda a cidade está previsto para o início da tarde.

Polônia
Em Varsóvia, evento educativo terá foco nas crianças, com mostras sobre o uso correto da cadeirinha e do cinto de segurança.

Nova Zelândia
Motoristas transitarão com cruzes de madeira dentro de cadeirinhas para crianças, como forma de chamar atenção para as pequenas vítimas de acidentes.

Kweit
Mostra de quatro dias começa no país árabe para mostrar a sustentabilidade do transporte público e as estratégias para segurança no tráfego.

Trinidade e Tobago
Após manifestações, será entregue ao Parlamento carta de ativistas com exigências para melhoria da segurança nas estradas abrangendo políticas, legislação, policiamento, engenharia e Justiça.

Gana
Autoridades visitarão nos hospitais vítimas de acidentes.

Japão
Vigília com velas acesas em Tóquio. Em Ishinomaki, cenas das batidas provocadas pelo tsunami serão exibidas para o público.

Fonte: Estado de Minas

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Três perguntas para...

Brigitte Chaudhry
alemã radicada em londres, idealizadora do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Trânsito

Publicação: 20/11/2011 04:00

1) Qual a importância desta data?
Com o foco na lembrança das vítimas, uma forma de tributo e reconhecimento de quem perdeu sua vida ou se feriu, temos uma oportunidade de destacar a devastação que ocorre nas estradas. Assim, discutiremos, também, numa escala maior, os custos para o Estado, mostrando que é preciso agir.

2) Há algum lugar onde essas ações realmente tornaram o ráfego mais seguro?
Não há como provar isso ainda, pois a ONU adotou essa data há pouco tempo (2008). Mas acredito que conseguimos criar sensibilidade na Europa para a necessidade de melhorias no atendimento pós-acidentes, na reabilitação. Isso é um resultado positivo.

3) Como a senhora vê a situação do Brasil,  com 18,3 mortes no trânsito por 100 mil habitantes?
O Brasil está muito longe dos melhores índices, mas nem entre os melhores o trabalho está concluído. Devemos trabalhar para  chegar a um índice zero. Assim se atinge a excelência. Atitudes que podem produzir efeitos mais imediatos são a redução drástica de limites de velocidade e da potência dos carros.

Fonte: Estado de Minas

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