domingo, 29 de janeiro de 2012

Caminhoneiros recorrem a estimulantes e ampliam risco nas estradas de Minas

No ano passado, acidentes aumentaram 132%. Os motoristas usam até anfetaminas e até estimulantes à base de álcool

Mateus Parreiras

Publicação: 29/01/2012 06:55 Atualização: 29/01/2012 07:31

20120129070951108619aFlagrante comum nas estradas que cortam Minas: cansados depois de longa jornada, caminhoneiros têm seus reflexos testados pelos obstáculos na pista esburacada

Por trás de pálpebras inchadas e quase fechadas, os olhos vermelhos do caminhoneiro S.S.P., de 30 anos, suplicam rendição. O peso do sono se reflete nas rugas profundas de expressão e no esfregar constante das mãos no rosto. Num solavanco, seu olhar perdido e a posição fixa despertam de repente. Sem reagir a tempo, passa com as nove rodas do lado direito da carreta num buraco profundo da BR-251 – o veículo, de 15 metros de comprimento, transporta oito toneladas de geladeiras. “Estava pensando numa outra coisa, nem vi o buraco”, diz, tentando justificar o barulho e o estremecer da carreta. Nem o sono ou o furo que esvaziou um dos seus 18 pneus quando passou pela Bahia o impedem de seguir viagem. Já são 11 horas rodando por 650 quilômetros, desde Feira de Santana (BA) até Salinas, no Norte de Minas. O destino, Pirapora, está ainda nove horas à frente. Entre cochilos, curvas e ultrapassagens a mais de 100 quilômetros por hora, o sul-mato-grossense se arrisca a tal ponto que uma tragédia parece questão de tempo.

Caminhoneiros como S. ingressam diariamente nas rodovias de Minas Gerais em condições limite. Desafiam o sono, longas jornadas e estradas estreitas e esburacadas. Pior: recorrem cada vez mais a drogas para fazer frente a uma rotina extenuante. Segundo o Ambulatório de Dependência Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), três em cada 10 caminhoneiros usam regularmente rebites e anfetaminas para circular insones por horas a fio pelas estradas brasileiras. Não bastasse isso, bebidas à base de cafeína concentrada e álcool, disfarçadas de “energéticos”, agora são oferecidas em pequenos tubos e consumidas aos montes em restaurantes de postos de abastecimento. Os efeitos, dizem especialistas, são tão devastadores quanto os dos estimulantes químicos. “São como rebites. A cafeína dessas bebidas é um estimulante do cérebro, assim como a anfetamina das pílulas. O álcool estimula num primeiro momento e a cafeína e outras substâncias mantêm a pessoa acelerada”, afirma o coordenador do ambulatório da UFMG, o psiquiatra Valdir Campos.

O resultado dessa combinação de sono, pressa e estimulantes é uma carnificina atestada por estatísticas. Noano passado, de acordo com a Polícia Militar de Minas Gerais, as estradas estaduais registraram 8.513 acidentes com veículos de carga. O número é 132% maior do que o de 2010, quando 3.666 caminhões e carretas se envolveram em tombamentos, batidas e atropelamentos. Nas rodovias federais os números também impressionam. Dos 30.032 veículos envolvidos em acidentes entre janeiro e novembro do ano passado, 11.345 (37,7%) eram caminhões e carretas, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF). O índice, maior que a média nacional, de 31%, só fica atrás dos carros de passeio, responsáveis por 15.314 (51%). Porém, a frota de carros no estado, que chega a 4.223.737, é 90% maior que a de caminhões e carretas, de 475.791 (11%). Num ambiente com apenas esses veículos, a participação dos transportes de carga em acidentes é três vezes maior que a dos automóveis.

Passagem obrigatória

Com uma malha viária de 35.960 quilômetros, Minas é passagem quase obrigatória de caminhões que levam cargas para portos e metrópoles. No país, 60% do escoamento nacional se dá por via rodoviária. Para mostrar o submundo do transporte que move o Brasil recorrendo ao tráfico, prostituição e manobras irresponsáveis de caminhoneiros exaustos ou dopados, a reportagem do Estado de Minas seguiu de carona em carretas que trafegavam pelas BRs 381, 116, 251, 135 e 040. Entre as histórias mais recorrentes estão a de caminhoneiros que, responsáveis por conduzir caminhões com mais de 70 toneladas por horas seguidas, tentam enganar o sono usando estimulantes vendidos livremente em postos de gasolina, farmácias e paradas.

A desculpa é a mesma: é preciso ganhar tempo e faturar mais. “Se descarregar (o caminhão) antes para a transportadora, sobra tempo de lucrar levando outra carga por minha conta na volta. É aí que entra o rebite. Se tomar, dirijo até 24 horas direto”, conta o sul-matogrossense S. “Meu terror é ver carreteiro na contramão dormindo de olho aberto”, admite. Durante a viagem, ele só desperta plenamente na “marra”, quando, por exemplo, a BR-251 se abre em centenas de buracos entre Salinas e Montes Claros. As crateras com mais de um palmo de profundidade o obrigam a ziguezaguear pela pista realizando várias mudanças de marcha e manobras longas com o volante.

Fonte: Portal Uai

Um comentário:

  1. Com estimulantes ou sem estimulantes, quando será que os caminhoneiros irão perceber que não estão guiando um veículo pequeno e que o veículo deles em qualquer lugar, BRs ou cidades são como enormes dinossauros movimentando-se ao lado de espécies muito menores? Quando vão parar de guiar como se estivessem sobre uma bicicleta? Eles agem aos volantes das carretas como cães de grande porte sem noção do tamanho que têm. Penso que o Governo deveria fazer uma campanha de conscientização, não só no período das férias, mas sempre!

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