domingo, 14 de novembro de 2010

2010.11.13 - Rodovia da Morte tem anjo da guarda - Estado de Minas

Entidade em João Monlevade, na Região Central de MG, reúne voluntários que se dedicam a salvar vidas em acidentes registrados no município e na mais terrível das BRs mineiras: a 381

Paulo Henrique Lobato

Enviado especial

Euler Júnior/EM/D.A Press20101112233513718

Integrantes do Sevor: Gleyson Starling, Bruno Botelho, Wander Gonçalves, Carlos Silva, Geraldo Coelho, Hamilton Plábio Lopes e Danilton, que prestam socorro as vítimas de trânsito

João Monlevade – Ele só tem 10 anos, completados em 4 de novembro, mas a pouca idade não o impediu de ser respeitado além das montanhas de Minas Gerais. Sua fama alcançou os quatro cantos do Brasil. Pudera: ajudou a salvar milhares de pessoas desde o primeiro dia de vida. Para se ter ideia, 5.129 adultos e crianças foram amparados por seus braços amigos, sempre de prontidão, a qualquer hora do dia e da noite, apenas nos últimos cinco anos. Registrado num cartório de João Monlevade, na Região Central de Minas, distante 108 quilômetros de Belo Horizonte, atende pelo apelido de Sevor, sigla para Serviço Voluntário de Resgate, entidade já reconhecida pelos governos estadual e municipal como de utilidade pública.

Todas as pessoas ajudadas pelo Sevor são vítimas de acidentes de trânsito ocorridos nas estradas e ruas de João Monlevade. O grupo de resgate, formado por 51 homens e mulheres, atua, com frequência, no macabro trecho da BR-381 conhecido como Rodovia da Morte, formado pelos 110 quilômetros entre Belo Horizonte e a terra natal da entidade, onde, segundo dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), 55 pessoas perderam a vida no primeiro semestre do ano. Por outro lado, centenas de feridos foram socorridos em tempo pelos braços amigos do Sevor.

“Somos empresários, bombeiros, agente penitenciário, comerciantes, profissionais da saúde etc”, explica o presidente do Sevor, o médico Hamilton Plabio Lopes, de 59 anos, acrescentando que os voluntários dedicam parte do tempo livre para ajudar o próximo. “Todos temos, no mínimo, o curso de bombeiro civil. Passamos por importantes treinamentos”, acrescenta. Casado com Letícia, de 48, e pai de três filhos, por diversas vezes o médico deixou o conforto do lar para entrar numa das três ambulâncias da entidade rumo às pistas. Na companhia de outros anjos do asfalto, ele lamenta a morosidade do governo federal em duplicar a temida Rodovia da Morte.

O traçado obsoleto da BR-381, que acompanha fundo de vales e o contorno de largas montanhas, é uma traiçoeira arapuca para os motoristas que não conhecem bem a região: “Na década de 1960, quando a estrada foi inaugurada, as empreiteiras ganhavam por quilômetro construído. Quem ganhou? As empresas. Quem perdeu? A população. No dia da inauguração, a 381 fez a primeira vítima: um jipeiro capotou numa curva próxima a Bom Jesus do Amparo”, recorda-se.

Foi perto dali, no fim de outra curva, que quatro pessoas morreram, anteontem, quando um caminhão sem freios invadiu a contramão e acertou em cheio um Palio, um Uno e um Fiorino. As quatro vítimas eram adultas, mas o Sevor já se deparou com muitas crianças, presas às ferragens, na mesma estrada. O bombeiro civil Bruno Botelho, de 28 anos, é um dos voluntários do grupo que estendeu a mão a diversos meninos e meninas.

Em todas as ocasiões, relata com a voz embargada, sentiu um aperto no peito, como ocorreu, na semana passada, quando retirou um garoto de 10 anos dos ferros retorcidos de uma caminhonete que havia acabado de colidir com um caminhão. “O menino, consciente, dizia que sentia muitas dores. Graças a Deus deu tudo certo. É gratificante salvar vidas. Para nós, não há rico e pobre, branco e preto”, diz o rapaz.

A emoção de ajudar o próximo, principalmente num momento de desespero e angústia, também levou o comerciante Humberto Guimarães, de 53, a se alistar voluntariamente no Sevor. Ele é um dos responsáveis por dirigir a Vó, como é chamada, carinhosamente, a primeira ambulância do grupo, doada pelo Rotary Club de João Monlevade. Trata-se de um veículo Ipanema, ano 1996, que ajudou no resgate de milhares de vítimas da 381.

Ainda hoje, o carro, que recebeu nova pintura há poucas semanas, está à disposição para socorrer os feridos. “É difícil descrever a emoção de salvar vidas. A gente não mede esforço. Se estou no trabalho e me ligam, me desloco rapidamente para o resgate. Enquanto houver a esperança de a pessoa se salvar, temos que nos esforçar”, diz Guimarães, homem de grande humor e dono de enorme coração. Tanto ele quanto os outros voluntários recebem telefonemas e e-mails de pessoas que ajudaram a salvar. Alguns, meses e até anos depois do acidente, fazem questão de ir à sede do Sevor, que ocupa um pequeno galpão num posto de combustível que funciona às margens da 381. Os socorristas se emocionam com o reconhecimento das vítimas, mas alertam que o governo precisa ter a consciência de que a presença do grupo na região não pode frear os investimentos no setor para o resgate na BR e da infraestrutura da rodovia.

PAPEL DE CADA UM

“A proposta do grupo, quando criado, foi suprir a demanda do poder público num trecho crítico da BR. Porém, o tempo mostrou que nossa função se tornou uma atividade essencial. Estamos fazendo o papel do poder público. Não podemos ser o (agente) principal. Isso cabe ao governo. Temos de ser o coadjuvante”, lamenta o presidente da entidade, acrescentando que o grupo também faz trabalho preventivo junto a empresas e escolas.

Aos alunos, por exemplo, a turma do resgate faz palestras ressaltando a importância do uso do cinto de segurança e alertam sobre a trágica mistura álcool e direção. “À medida que as crianças têm consciência da importância de seguirem a lei de trânsito, passam a cobrar dos pais o mesmo. Elas usam o cinto de segurança e não deixam pai e mãe excederem na velocidade e não pegarem o volante depois de uma rodada de bebidas alcoólicas”, destaca o médico.

“Nosso trabalho é muito importante”, acrescenta Bruno, que precisou interromper a entrevista para atender mais um chamado na 381: “Um caminhoneiro está preso às ferragens”. Rapidamente, ele e outros sete colegas entraram em três carros do Sevor para cumprir o lema do grupo: “Nossa missão é salvar vidas”. Quem se interessar em ajudar o grupo a continuar fazendo o importante trabalho pode entrar em contato com o Sevor pelo site www.sevor.com.br. Muita gente, no momento do desespero, agradecerá ao anjo da guarda, de apenas 10 anos.

Fonte: Estado de Minas

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