terça-feira, 26 de outubro de 2010

2010.10.25 - Riscos às margens das rodovias federais em Minas - Hoje em Dia

Falta de fiscalização facilita o avanço de construções irregulares próximo às rodovias, ameaçando vidas

Felipe Torres - Repórter - 25/10/2010 - 06:39

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As áreas são de jurisdição do Dnit, que admite não ter como impedir novas ocupações

O descaso e a falta de fiscalização ao longo das últimas décadas permitiram o avanço das construções irregulares às margens das rodovias federais que cortam o Estado. Erguidos rente ao asfalto, barracos tomam cada vez mais os acostamentos das BRs, em sua maioria próximos às periferias dos municípios, prática que coloca em risco a vida de motoristas, pedestres e dos próprios invasores. As áreas são de jurisdição do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que admite não ter como impedir novas ocupações.

O Dnit prepara um levantamento completo, mas estima que somente nos 26,5 quilômetros do Anel Rodoviário, em Belo Horizonte, 2.500 mil famílias vivam à beira da via, na qual circulam 100 mil veículos por dia. A situação também é crítica na BR-381, especialmente na saída da Região Metropolitana da capital (RMBH) para o Espírito Santo. Em boa parte dessa rodovia, barracos disputam espaço com carros, enquanto a lei determina em 40 metros, a partir do eixo da pista, a extensão da faixa de domínio das estradas federais.

Mas, ao abrir a porta de casa, a dona de casa Janita Ferreira, 45 anos, e o marido, o aposentado Francisco Mendes, 51, revelam considerar os veículos de carga pesada “seus principais vizinhos”.

Morador do Bairro Bom Destino, no município de Santa Luzia, na Grande BH, o casal precisa pisar na chamada “Rodovia da Morte” para regar a horta que cultiva nos limites do tráfego pesado. “Quem não sente medo de uma carreta em alta velocidade perder o controle e se chocar contra nosso quarto ou de atropelamentos? Da minha janela, eu só vejo a BR-381 e queria muito sair daqui. Só não tenho para onde ir”, desabafa Janita, que há dois anos ajudou o marido a “levantar a residência”.

Além de temer acidentes, ela relata que passa muitas noites em claro devido ao barulho. “Amigos tomam remédios para dormir. Depois de uma jornada de trabalho, o movimento intenso não nos permite assistir à televisão e relaxar”, descreve.

A precariedade das instalações no Bom Retiro levou a Associação Comunitária do bairro a se antecipar às autoridades e a realizar o cadastro das famílias invasoras. Segundo Aílton Gomes da Silva, presidente da associação, o resultado reforçou a necessidade de intervenções imediatas. “Entre os quilômetros 15 e 18, mais de mil pessoas povoaram as margens da estrada. O saneamento básico, a higiene, a fiação elétrica e a estrutura das moradias se mostram deficitários”, diz.

Silva protocolou, semana passada, uma ação junto ao Ministério Público cobrando providências. A Associação exige que a área seja considerada “perímetro urbano”. Segundo ele, apenas a medida reduziria as complicações geradas pelo encontro do fluxo da comunidade e o da BR-381. “Não vamos esperar pela duplicação. Os veículos continuam trafegando em alta velocidade e os desabrigados montando barracos. E como não há rigidez na fiscalização, o quadro só tende a piorar”, conclui.

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram registrados 630 atropelamentos nas BRs que cruzam Minas no ano passado, quase dois diários. A responsabilidade de coibir as ocupações é do Dnit. O órgão argumenta não ter efetivo suficiente para o patrulhamento e recorre às Polícias Rodoviárias Federal (PRF) e Estadual (PRE).

Porém, o inspetor Aristides Júnior, da PRF, esclarece que o apoio integra as atividades rotineiras dos agentes e a polícia não disponibiliza viaturas específicas para se evitar o problema.  “Os cidadãos constroem os seus barracos durante a madrugada e de forma rápida. Raramente flagramos alguém. Quando conseguimos, impedimos a obra e comunicamos ao Dnit”, informou o inspetor, relembrando que não há punições. A PRF não soube especificar a regularidade ou a quantidade de notificações expedidas.

O superintendente regional do Dnit em Minas Gerais, Sebastião Donizete de Souza, reconhece que as invasões fugiram ao controle. Souza enfatiza que, por meio da Procuradoria Federal Especializada, ajuizou ações de reintegração de posse para desocupar a faixa de domínio das rodovias. “Algumas delas tiveram decisões favoráveis em última instância. Mas entendemos que se trata de uma questão social e não podemos apenas desalojar as famílias”, justifica.

Retirada dos invasores vai custar R$ 130 mi aos cofres públicos

A presença das famílias às margens das rodovias trava obras que beneficiariam o tráfego viário mineiro. O Ministério Público Federal recomendou ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) que não iniciem a licitação de reforma e ampliação do Anel Rodoviário sem antes remover e reassentar os moradores. A PBH estipula o custo deste processo de retirada em cerca de R$ 130 milhões.

A duplicação da BR-381, entre a capital e o município de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, também esbarra nos invasores. Aílton Gomes da Silva, presidente da Associação Comunitária do Bairro Bom Retiro, em Santa Luzia, na RMBH, avisa que os moradores só aceitarão sair se receberem indenizações referentes às benfeitorias construídas. “Vai haver confusão se os órgãos interessados não ressarcí-los”, prevê Silva. O Dnit não adianta como será a política de compensação.

Já o vice-prefeito de BH, Roberto Carvalho (PT), está otimista e acredita que os programas habitacionais dos governos estadual e federal vão garantir as futuras instalações. Enfatizando que o trâmite depende da solicitação do Dnit, Carvalho espera pelo fim das áreas que considera de “alto risco”. “Até hoje, não sei como não ocorreram tragédias de grandes proporções. Independentemente das obras nas estradas, levaremos a causa adiante”, assegura.

A possibilidade de deixar o lar divide opiniões. Acostumado ao vai e vem dos veículos no Anel Rodoviário, o baiano Izaulino dos Santos Rocha, 77, criou 13 filhos no Bairro São Francisco, Região da Pampulha, e não pensa em trocá-lo. “Vivi muita coisa nos 14 anos que me estabeleci aqui. Abri um pequeno bar, plantei meus pés de manga no canteiro das pistas. É debaixo delas que eu cochilo”, diz, apontando para um banco de madeira. Izaulino se gaba em revelar que tem outros 33 filhos, com quatro diferentes mulheres.

Por sua vez, o pedreiro João Carlos Gomes, 23, não vê o momento de fazer as malas. Ele sabe que a casa, situada em um barranco da BR-381, no Bairro Jardim Vitória, Região Nordeste de BH, não oferece segurança a seus familiares. “Carretas tombaram, motos se acidentam bem em frente à minha porta”, observa. O pedreiro e a esposa caminham uma hora todos os dias na BR para levar os filhos à escola ou comprar comida. João Carlos acha também que perdeu parte da audição. “Os ruídos prejudicam qualquer um. Falo alto e escuto pouco”, relata.

Fonte: Hoje em Dia

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