sexta-feira, 14 de agosto de 2009

2009.08.14 - Quilômetros da morte - Estado de Minas

Emmanuel Pinheiro/EM/D.A PRESS20090813232023430 Manifestantes fecharam a rodovia no trevo de Itabira, na sexta mobilização desde a morte de cinco universitários na curva de Caeté

Paulo Henrique Lobato

Levantamento obtido com exclusividade pelo Estado de Minas revela os trechos com maior número de acidentes e de óbitos na estrada. Duplicação caminha a passos lentos

Todos os domingos, dona Rogélia Perez de Castro, de 48 anos, vai à missa matinal no Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, onde mora, atrás de palavras que lhe deem paz no coração. Mas também é lá no alto da serra que abriga a padroeira de Minas Gerais que ela vê com tristeza o sinuoso traçado da BR-381. A estrada, construída na década de 1950 para transportar o progresso brasileiro, levou dela o bem mais precioso: a família. Dona Rogélia chorou, em 1990, as mortes do marido, Artur Rosa Filho, então com 33, e do filho mais velho, xará do pai, de 4, numa perigosa curva perto de Sabará. Em março de 2009, as lágrimas voltaram a molhar o rosto da mulher: a filha caçula, Ranaly, de 21, estava na van de universitários atingida por uma carreta de Jundiaí (SP) que invadiu a pista contrária. O acidente matou seis pessoas e, em 2009, é o mais trágico da Rodovia da Morte, como é conhecido o trecho de 310 quilômetros entre Belo Horizonte e Governador Valadares, no Vale do Aço.

Foram 138 mortes em 2008, segundo uma planilha da Polícia Rodoviária Federal (PRF) a que o EM teve acesso com exclusividade (veja arte). O levantamento dividiu a distância entre as duas cidades em 62 trechos de cinco quilômetros cada e permitiu a elaboração de dois rankings trágicos. No primeiro, referente a acidentes, a liderança é ocupada pelo trecho do km 420 ao km 425, em Caeté, onde ocorreram 146 batidas, saídas de pista etc. A segunda tabela trata das mortes. Nesse caso, do km 405 ao km 410, em Nova União, é o primeiro colocado: 19 vítimas. A detalhada estatística reforça importância de a Rodovia da Morte ser duplicada urgentemente. A obra, orçada em R$ 2 bilhões, é uma reivindicação antiga dos usuários.

Centenas deles, pelo sexto mês consecutivo, fecharam a estrada na tarde de ontem. O protesto, sempre realizado no dia 13, ocorreu, desta vez, no trevo de Itabira. Já houve paralisação no trevo de João Monlevade e no de Caeté, onde moravam os cinco universitários e o motorista da van mortos em março. A tragédia com o escolar ocorreu na curva do km 435, em Sabará. O trecho ocupa a quarta posição da indesejável tabela de acidentes: 118 batidas. A planilha da PRF chegou ao conhecimento da ONG Movimento S.O.S. Estradas Federais, que ajuda a organizar os protestos na Rodovia da Morte.

O presidente da entidade, José Aparecido Ribeiro, observa que o número real de mortos é bem maior do que o divulgado pela corporação, pois os registros não incluem os feridos que perderam a vida nas ambulâncias ou nos leitos dos hospitais. “Os Anjos do Asfalto – voluntários que ajudam no resgate de vítimas – nos confidenciaram que 40% dos feridos morrem a caminho do hospital ou dias depois.” Nesse caso, Ribeiro acredita que a violência na 381 mata cerca de 800 pessoas a cada ano. Ele aproveita a estimativa para mandar um recado à União: “O assunto deixa de ser uma questão de Minas e passa a ser de interesse nacional. O governo tem informações de vidas perdidas em cada curva e se omite. Em resumo, o negócio é de gestão e não só de informação”.

O discurso dele é o mesmo das famílias que perderam entes queridos no trecho. Porém, o sofrimento delas ainda não sensibilizou o poder público. A previsão do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é de que a duplicação da 381 entre BH e o Vale do Aço comece no segundo semestre de 2010 e seja concluída entre 2013 e 2014. Até lá, usuários continuarão arriscando a vida nos traçados sinuosos da rodovia que, quase seis décadas depois de sua construção, é perigosa e ultrapassada. Só o trecho de 108 quilômetros entre BH e João Monlevade tem quase 200 curvas.

Duas delas deixaram cicatrizes que jamais serão fechadas no coração de dona Rogélia. “Vou ao Santuário da Piedade todos os domingos, pois minha filha gostava de assistir a missa lá. Depois que perdi o marido e meu filho mais velho, ela era tudo que havia me restado. Quantas pessoas mais terão que morrer para a BR ser duplicada? Enquanto a vítima não for o filho de algum político, o governo não tomará providência. Não quero que isso ocorra, mas sei que só assim vão arrumar a estrada”, desabafa.

Fonte: http://www.uai.com.br/EM/html/sessao_18/2009/08/14/interna_noticia,id_sessao=18&id_noticia=110477/interna_noticia.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...