A bonita vista do alto do Santuário de Nossa Senhora da Piedade, na serra homônima de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, perde toda a beleza quando os fiéis descem lá de cima para enfrentar os perigos do trecho da BR-381 entre Belo Horizonte e o Espírito Santo. São tantas armadilhas que a multidão que sobe a montanha onde está a padroeira de Minas Gerais em busca de paz se assusta com a violência diária na estrada, principalmente nos 108 quilômetros que separam a capital de João Monlevade. O local, conhecido como Rodovia da Morte, tem aproximadamente 200 curvas.
Foi numa delas que ocorreu a primeira morte na 381. Em 1963, Teófilo Severino, um trabalhador pai de 18 filhos, foi atropelado por um caminhão, perto de Ravena, distrito de Sabará, enquanto puxava um cavalo que carregava sacas de milho. Seu José João Siqueira, de 68, conheceu a vítima. “Era um homem bom”, recorda o senhor que, na infância, ajudou o pai a guiar carros de boi que participaram da construção da estrada e, hoje, vende parte do pouco que produz em sua pequena propriedade no trevo de Caeté.
José perdeu a conta de quantas ambulâncias do Samu e do Corpo de Bombeiros testemunhou socorrendo feridos na Rodovia da Morte. Ele também engrossa as milhares de vozes que clamam pela duplicação da estrada: “Passou da hora. Precisa ter uma divisória entre as pistas com urgência”. Na próxima semana, o agricultor será um dos participantes que prometem fechar o trânsito no trevo de Caeté. Desde março, sempre no dia 13, moradores da cidade protestam no local.
A data é uma homenagem aos sete moradores que perderam a vida no acidente mais trágico da 381 em 2009. O motorista de uma Van e seis passageiros – todos universitários que estudavam em BH e voltavam para casa – morreram ao serem atingidos por um caminhão de São Paulo que invadiu a pista contrária. O desastre ocorreu perto do chamado km 30, mas os perigos da rodovia começam no início dela. Na ponte do Rio das Velhas, por exemplo, o estreitamento da pista causa congestionamentos nos fins de cada semana e dos feriados prolongados.
Mas essa não é a única ponte com problemas. Até Monlevade, cinco pontilhões poderiam ser usados para alargar a pista. As obras tiveram início e foram suspensas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeita de desvio de dinheiro público. Os ferros retorcidos nas pontes representam bem a “preocupação” da União com a rodovia por onde passam toneladas de cargas levadas para exportação no porto de Tubarão, em Vitória. O maior prejudicado com a interrupção das obras foi o usuário da via, que continua convivendo com o perigo.
A irritação também é grande na trincheira de Santa Luzia. A obra sequer foi concluída e já apresenta defeitos, como buraco e afundamento de pista. As armadilhas preocupam, principalmente, os motociclistas, como o servidor público Samuel Magno de Oliveira, de 27. Ele mora em Venda Nova e precisa passar pelo local para buscar, nos fins de tarde, a irmã, que trabalha numa empresa à margem da 381. “A gente fica preocupado em ser a próxima vítima, porque são tantas nessa estrada”.
Foram, exatamente, 138 soente nos 310 quilômetros que separam BH de Governador Valadares, no Vale do Aço, segundo balanço da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O total de feridos no período somou 2.055. Em 2007, 121 pessoas haviam perdido a vida. Outras 1.988 ficaram machucadas. Os números levaram associações de classe e moradores a aumentarem a reivindicação pela duplicação da rodovia. Vários outdoors educativos foram colocados às margens da estrada. Peças publicitárias pedindo mais prudência aos condutores também foram colocadas ao longo da via.
Numa delas, uma frase comovente: “Tem sempre alguém esperando por você”. O tio da secretária Gilmara Graciela, de 27, saiu do trabalho e não encontrou mais a família. “Foi atropelado no trevo de João Monlevade”, recorda a moça, que também engrossa o coro pela duplicação da via e pela prudência dos motoristas que transitam nela. Gilmara diz que, enquanto o governo federal não inicia a obra de alargamento da BR, os motoristas podem reduzir as estatísticas de acidentes obedecendo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Mas a torcida pela duplicação da via continua. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) planeja duplicar a via nos próximos anos. A Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) também tem planos para o trecho até o Espírito Santo: privatizar a estrada. Enquanto as propostas não saem do papel, a 381 continuará carregando o macabro rótulo de Rodovia da Morte.
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