segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Crimes impunes

CAPA

Apenas 459 dos 58,8 mil delitos de trânsito ocorridos em Minas Gerais em 2010 foram apreciados pela Justiça, sem condição de julgar e punir quem desobedece às leis e mata

Mateus Parreiras
Publicação: 25/09/2011 04:00

res20110924171532144612oO caminhão tinha os pneus carecas, o freio amarrado e estava em alta velocidade. Foi um crime e, como tudo no Brasil, vai ficar impune se não reclamarmos - Adair Geraldo Syrio, comerciante

Os destroços de aço, vidros e borracha de um caminhão acidentado, abandonados num socorro automotivo em uma curva escura do km 420 da BR-381, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, são um símbolo de impunidade no trânsito que desperta emoções diferentes. Sempre que o comerciante Adair Geraldo Syrio Júnior, de 31 anos, passa por lá e vê o Ford Cargo de 13 toneladas, se lembra da noite de 11 de março de 2009, quando aquele veículo bateu na van em que viajava, ferindo-o e matando o seu irmão, o universitário Albert Silva Syrio, 26 anos, e cinco colegas. Ninguém ainda foi julgado e condenado. Uma vez por mês o motorista do caminhão passa pelo trecho, indo de São Paulo para o Nordeste, segundo os socorristas. O caminhão retorcido, que a promotoria e a polícia afirmaram estar sem condições de rodar à época da tragédia, representa a capacidade limitada da Justiça em julgar crimes de trânsito.

Esse não é um caso isolado. De acordo com levantamento feito pelo Estado de Minas nas 297 comarcas de Minas Gerais, por meio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), dos 58.866 crimes de trânsito ativos em 2010, como dirigir embriagado, homicídio e lesão corporal no tráfego, apenas 459 tiveram como desfecho o julgamento seguido de condenação – índice de 0,7% do total. A cada 1 mil processos, apenas sete tiveram a culpa comprovada e uma punição.

Autoridades da Justiça, Ministério Público, Polícia Civil e OAB-MG concordam que o índice de condenações é pequeno, mas divergem dos motivos para isso (leia mais na página 27). Para o advogado especialista em direito de trânsito da OAB-MG, Carlos Cateb, a situação reforça a impunidade “São índices alarmantes. A Justiça está abarrotada. A lentidão faz o cidadão não acreditar na Justiça”, critica.

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PENAS ALTERNATIVAS

A juíza Maria Isabel Fleck, da 1ª Vara Criminal do Fórum Lafayette, afirma que 90% dos casos de crimes de trânsito chegam à condenação, ainda que isso possa demorar. “No restante dos casos temos absolvições. O problema é que as pessoas querem prisão, mas a cultura das penas alternativas educa a própria sociedade depois, criando uma cultura de respeito”, diz. O procurador de Justiça de Recursos Especiais e Extraordinários Criminais do Ministério Público, José Alberto Sartorio de Souza, conta que sua luta tem sido impedir que os casos de crimes dolosos, quando a pessoa não tem intenção de matar, mas assume o risco ao beber ou fazer rachas, sejam desqualificados como culposos – sem intenção.
No caso do desastre em Caeté, o processo tramitou entre outros 380 volumes em 2010. Os juízes locais conseguiram condenar apenas um caso. O trecho é parte da chamada Rodovia da Morte, como é conhecida a BR-381 entre Belo Horizonte e João Monlevade, no Vale do Aço, que recebeu a denominação por ser recordista de acidentes no estado. O índice de julgamentos de batidas, atropelamentos e tombamentos nas comarcas ao longo da estrada é pouco melhor, de 0,9%, ou seja, nove em cada 1 mil processos tiveram condenação. Foram 2.547 casos, dos quais 23 com desfecho.

O comerciante Adair Syrio afirma nunca ter sido chamado para testemunhar sobre o acidente que vitimou seu irmão e os colegas. “Só falei com o escrivão da polícia. Ele disse que a perícia mostrou que o caminhão tinha os pneus carecas, o freio amarrado e estava em alta velocidade. Foi um crime e, como tudo no Brasil, vai ficar impune se não reclamarmos”, disse. A reportagem não conseguiu contato com o caminhoneiro envolvido no acidente em Caeté.

Fonte: Estado de Minas

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