segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A dor da espera por justiça

REPORTAGEM DE CAPA

Mesmo em Belo Horizonte, onde tramitação dos processos é mais rápida, motoristas responsáveis por acidentes e mortes conseguem protelar o julgamento e a punição

Mateus Parreiras

Publicação: 25/09/2011 04:00

Desde que o marido, Fernando Félix Paganelli, de 48 anos, morreu numa batida provocada por um estudante que subia a Avenida Raja Gabaglia na contramão, em fevereiro de 2008, a vida da dona de casa Ana Cristina Tavares Nunes Paganelli de Castro, de 43 anos, se tornou um inferno. À época, os filhos de 15 e de 13 anos só tinham a ela para recorrer, sendo que a dona de casa nunca havia trabalhado, segundo seus advogados. Seis meses depois da tragédia, a saúde não resistiu à tensão e ela teve um acidente vascular cerebral que a deixou com dificuldades para se mover e falar. Até hoje, faz fisioterapia e fonoaudiologia para se recuperar. Causador dessa tragédia, o estudante de administração Gustavo Henrique de Oliveira Bittencourt, de 25 anos, acusado de estar embriagado na ocasião, chegou a ser preso, mas hoje responde em liberdade ao processo de homicídio doloso. A previsão dos auxiliares da acusação é de que ele só venha a ser julgado daqui a 12 meses.

Casos como este mostram que, apesar de ser mais rápida em julgar os crimes de trânsito do que a média dos tribunais estaduais, a Justiça em Belo Horizonte ainda está muito aquém de punir com rapidez aqueles que transformam as ruas e estradas em lugares perigosos para circular. Até o fim de 2010, dos 6.406 processos ativos na Justiça comum e nos dois juizados especiais da capital, apenas 88 chegaram a um julgamento e obtiveram condenação. O índice é quase duas vezes melhor do que a média mineira, de sete julgamentos por 1 mil processos, chegando a 13 por 1 mil casos abertos. Naquele ano entraram 1.653 processos para se juntar aos 4.753 acumulados de outros anos.

Responsável pela 1ª Vara Criminal do Fórum Lafayette, que ao lado da 12ª Vara é onde os crimes de trânsito são julgados na capital, a juíza Maria Isabel Fleck acha que a maior velocidade dos julgamentos em Belo Horizonte ocorre porque os processos são apreciados em duas varas específicas e não nas varas comuns. “Isso torna o processo mais rápido. Minha média, por mês, é de 10 processos julgados. O resultado de 2010 deve ser ainda um resquício de 2009, que foi quando os processos vieram para os juizados especiais. Somos dois juízes em Belo Horizonte, mas estamos conseguindo dar respostas melhores à sociedade”, afirma.

VERGONHA

Ainda assim o advogado especialista em direito de trânsito da OAB-MG Carlos Cateb, acha que muito ainda precisa ser feito para que o número pequeno de condenações não seja traduzido como impunidade dos responsáveis. “É uma vergonha a condenação demorar tanto tempo que chegue a levar à prescrição de processos. Os tribunais mineiros precisam encarar essa como uma realidade que mata mais do que outros crimes juntos. Hoje o trânsito é o maior responsável por mortes. Quando o Judiciário não responde nos prazos corretos, isso reforça a impunidade.”

Enquanto algumas vítimas ainda lutam por justiça, como Ana Cristina Paganelli e seus filhos, que já conseguiram na esfera cível uma liminar para receber mensalmente uma quantia como sustento e processam Bittencourt por indenização de R$ 400 mil, há quem seja contagiado pela dificuldade em conseguir uma condenação e prefira tentar tocar a vida, apesar dos traumas. Como a auxiliar administrativa Tamires Angela Silva, de 24 anos, que estava entre os nove feridos no acidente entre uma van e um caminhão na BR-381, em Caeté, na Grande BH, em 2009. Cinco de seus colegas morreram nesse desastre, que iniciou um movimento de cobrança pela duplicação da estrada, interrompendo a via todo dia 13 durante um ano.

A jovem não segue o processo e tenta todos os dias superar as perdas e as marcas que leva no corpo. Foram dois meses internada, sendo três semanas em coma induzido, com edema cerebral, pulmão perfurado e o baço removido. Ela ficou três meses em fisioterapia para recuperar os movimentos do lado esquerdo do corpo. “Só soube que eles tinham morrido muito tempo depois, quando acordei do coma. Antes, até liguei para o celular dos falecidos, sem saber. Esconderam de mim para não prejudicar minha recuperação. Fui saber pela televisão que colocaram no quarto do hospital. Foi um desespero, muita tristeza.”

Agora, Tamires reúne coragem para encarar a estrada novamente, para o curso de pós-graduação em Belo Horizonte. “Minha família e eu estamos nervosos. Vou rezar muito e, quando chegar, ligo dizendo que estou bem”, planeja.

Ponto crítico

A Justiça tem culpa pelo baixo índice de condenações dos crimes de trânsito?

SIM

José Alberto Sartorio de Souza
Procurador de Justiça de Recursos Especiais e Extraordinários Criminais

Sem dúvida no Brasil a criminalidade no trânsito se deve muito à impunidade. Os crimes demoram a ser julgados. A substituição das penas de restrição de liberdade por restritivas de direito, pelos juízes, também não ajuda. Em vez de a pessoa ficar presa, ela paga uma cesta básica ou faz serviços comunitários. Isso não intimida. Não inibe o crime. O cara fica lá no hospital limpando chão. Isso não é pena.

Acredito que tinha de haver o mesmo para todos os crimes: alterar a lei processual para restringir o número de recursos, diminuir a formalidade para não possibilitar tantas nulidades processuais, aumentar as penas. Para ter uma ideia, essa morosidade leva a muitas prescrições. O homicídio culposo simples prescreve com oito anos. O qualificado, com 12 anos. Se na época do crime o autor tinha menos de 21 anos, leva a metade do tempo para prescrever.

Além disso, o réu tem muitos recursos para apelar. Pode ir ao Supremo (Supremo Tribunal Federal) para recorrer, se tiver um bom advogado. Então, mesmo quando é condenado, isso não significa que vai acabar cumprindo a primeira pena prevista e pela qual as famílias tanto ansiavam para ter justiça para as vítimas.

NÃO

Andreia Abood
delegada adjunta da delegacia de acidentes de veículos do Detran/MG

Os grandes problemas são a falta de condições para que as perícias sejam feitas e a omissão das pessoas que não denunciam os crimes que testemunham para não se envolverem. Assim, os inquéritos ficam mais complicados.

Agentes de trânsito também atrapalham. Veículos são retirados do local antes de os técnicos chegarem. Aí, nem com perícia. Isso ocorre por falta de conhecimento, às vezes da PM e da BHTrans, sem obedecer ao código (Código de Trânsito Brasileiro). No caso de acidentes em vias de trânsito muito intenso, o local deve ser marcado com giz antes de liberarem o trânsito.

Com essas dificuldades, não conseguimos aferir, por exemplo, a velocidade do veículo, a forma da travessia do pedestre nos casos de homicídios e de atropelamentos. Não é porque não foi apurado.

No caso das lesões corporais a maior dificuldade é encontrar o culpado. Há muitas fugas de carros e ônibus do local do crime e não aparecem testemunhas. Se as pessoas denunciassem, isso facilitaria o trabalho que resulta numa futura condenação.

Fonte: Estado de Minas

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